sábado, 3 de setembro de 2011

A simplicidade sublime de minha avó – reflexões sobre a vida e a morte



Mãe, a força que gera, que cuida, que guia, que ampara. Presente em nossos sentimentos mais profundos, sua capacidade de doação e ao mesmo tempo desprendimento nos ensina o manual da vida. Sim, por que quem no mundo é capaz de doar suas células, seus nutrientes, seu espaço, tempo e energia por algo que ainda nem existiu mas que virá a ser, graças à esse alento. No entanto, após tantos cuidados, amor e doação, os filhos crescem, criam asas e seguem seus destinos enraizando suas próprias histórias. Muitas vezes bem longe, além do plano material, apartados pela morte. Intrigante, hem? Parto e apartar. Duas palavras tão próximas e que representam momentos tão distantes... ou não? Nascer e morrer. As duas faces de uma mesma moeda.

Reflito sobre isso porque nessa última semana meu arquétipo mais real, amoroso e próximo de mãe sofreu um duro golpe de desprendimento.

Minha vó... minha Percília...minha Nina... apartou-se de seu primogênito em um trágico acidente de carro neste domingo, 28/08/2011 (http://migre.me/5Ch61). Não foi fácil ver sua dor, o momento em que a notícia lhe cortou a alma e a negação da realidade era o seu único apoio. Naquele instante percebi que nem um abraço ou um olhar que lhe dirigíamos tinha significado, quanto mais as palavras. Apenas aquele choro pungente, cavado na perca, significava algum consolo. Apartada de sua cria, vi na dor de minha avó o quanto a maternidade é um espelho da vida.

Com exceção dos casais que planejam, a grande maioria dos filhos nascem mesmo é de gravidezes indesejadas (http://migre.me/5Che0). Eu mesma, sou fruto de uma pílula mal contada, zigoto atrevido que resolveu mudar os rumos dos sonhos e projetos, até então, de meus pais. Portanto, se nascer e parir não é algo tão desejado, quanto mais morrer e apartar. A vida é o campo das contradições aonde sofremos por sempre querermos e não podermos. Não desejamos aquele filho, mas a partir do momento em que a dependência do ser tão frágil nos cativa, nos aprisionamos de livre e espontânea vontade em suas limitações e problemas. E após tantos esforços uma hora, em algum lugar do tempo, chega o momento da entrega. E aí já não queremos devolver... mas, não podemos mais segurar.

Moral da história: Quanto mais queremos lutar contra as leis da Natureza, quanto mais nos revoltamos com seu poder, mais cavamos sofrimentos desnecessários, dificultando ainda mais a vida. É como a maré, sempre contra a maré, dentro do mar revolto. Naufragar é o destino.

Minha avó é um exemplo de resignação. Dizem que nenhum filho deveria morrer antes dos pais. Meu tio foi o segundo fruto que minha vó perdeu em menos de dois anos. Em dezembro de 2009 minha tia Sirley faleceu após seis meses de luta contra um câncer no pulmão. Depois disso, em dezembro de 2010 minha avó apartou-se de sua mãe Margarida, de quem ela ajudou a cuidar durante os sete anos em que ela convalesceu numa cama. Sagrada em sua missão, aos setenta e dois anos,o maior desgosto, o momento em que via minha vó reclamar era quando não podia ir, aos sábados, zelar por sua mãezinha. Dar-lhe o banho, alimentá-la, tratar das feridas causadas pela imobilidade. Eram ações feitas com tanto carinho, regadas por palavras doces, que o meu amor pela minha avó se abastecia apenas em observá-la nos gestos simples, mas fundamentais, que ela dedicava à minha bisavó.

Viúva logo cedo, com quatro filhos pequenos para cuidar, minha vó não permitiu que a depressão ou o desespero se instalassem em sua vida. Sua terapia sempre foi o trabalho, o limite da sua pobre condição financeira também não deu espaço para grandes lamentos. Trabalhando de servente, lavando e costurando para fora nas horas vagas, minha avó criou minha mãe, meu tio e minhas duas tias com firmeza de caráter, humildade, generosidade e amor à vida. Características tão marcantes em sua personalidade que se eu conseguir realizar ao menos dez por cento de suas virtudes em meu cotidiano, dou me por demais de satisfeita.

Através da maternidade de minha avó, assimilei a maternidade da Mãe Natureza. Uma mãe verdadeira, ajustada ao natural, não discrimina um filho por motivo algum. Meu tio era um homem público, seu velório emocionou a cidade (http://migre.me/5Ci7n). Minha tia era uma mulher simples, do povo. Mas ambos eram únicos. A dor da despedida da minha tia foi administrada aos poucos, nos duros meses em que ela definhou paralisada numa cama, consumida pelo câncer. A dor da perca do meu tio foi em dose única, potencializada pelo choque do acidente, do instante em que o destino se desvia. E sob ambas as mortes, a profunda dor da minha avó foi igual. Não importou a história de vida de cada um ou o modo de partir. Assim como ambos eram únicos, a dor foi única. Por isso, para a Mãe Natureza não importa a religião, a cor ou a classe social que tenhamos. Ela nos alimenta, nos dá o sol, a água, o ar, que compartilhamos, sem distinções. Então, por que queremos sermos melhores uns do que os outros por motivos tão fúteis, se mesmo pelos essenciais, somos iguais? Até quando vamos continuar nessa cegueira? Humildade, essa é a chave da resignação.

Hoje estive com a minha avó. Eu e meu primo fomos levá-la ao banco, algo banal, cotidiano em mais um mês. Mulher sábia, não deixou a perca pesá-la. Encontrava os conhecidos e relatava a sua dor, mas ao mesmo tempo, em nenhum momento, deixou de dar uma boa tarde e um sorriso gentil a quem cruzou o seu caminho. Sobre suas chinelas havainas surradas (“é pra não disperdiçá, fia!), guardando seu dinheiro em sacolinha de supermercado (tem que disfarçá, por causa dos ladrão, aprende Jú...”) minha vó me entregou um tesouro. Um momento de amor. Pariu e apartou... assim se foi o instante... mas a sua simplicidade amorosa já faz parte de mim, é eternidade que me faz ir além do aparente fim.


Juliana Barros
Rondonópolis/MT, 02 de setembro de 2011.

* Este texto é uma homenagem à minha vó, à minha mãe e aos meus familiares. Raízes de minha história.



Leituras complementares

Livros que estou lendo atualmente e que me ajudaram a refletir sobre esse meu momento:

  1. Universo em Desencanto (Diariamente - há 14 anos a leitura matinal dessa coleção é minha terapia, meu apoio, minha vida.)
             
" Quanto mais simples, mais natural.
Quanto mais natural, mais perfeição.
Quanto mais perfeição, mais equilíbrio.
Quanto mais equilíbrio, mais bem-estar."


UNIVERSO EM DESENCANTO - vol." 152° Histórico" pág. 102
       
    2.  Tempo de esperas (Lançamento, Pe Fábio de Melo - leitura leve, agradável, reflexiva. Mais adequado ao meu momento atual, impossível)
  
 "Quero cumprir o mesmo processo dos jardins. Quero ressuscitar todo dia, assim como as sementes ressuscitam na terra. Mas ressurreição requer morte. A morte é inevitável para quem deseja florir-se no tempo certo. A simplicidade vegetal é uma forma aprimorada desse aprendizado.
A leveza é um dm. Aprecio os que sabem viver no pouco, os que viajam com poucas malas e os que descobriram que, ao contrário do que pensamos, as coisas não nos deixam mais ricos, apenas mais pesados."

TEMPO DE ESPERAS -  pág. 92

Curiosidades:

1.   Vídeo em homenagem à minha tia. Alguns meses antes de morrer, ela havia comentado comigo esse desejo. 





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4 comentários:

Nágea Luiza Batista disse...

Juliana, Irmã Amada!
Seu texto rescindindo amor, chegou aqui dentro de mim. Gratíssima a você e a sua sábia MÃE-AVÓ a quem nos dá provas simples e verdadeiras de que a força e o poder dos seres humanos está na simplicidade, amor fraternal e solidariedade, independente de sexo, raça ou condição social.
Grande abraço! PARABÉNS, minha Irmã!

Juliana Barros disse...

Salve minha querida!

Obrigada pelo seu comentário. És um grande exemplo para mim, suas palavras sempre doces e sábias sempre chegam como um presente até a mim.

Abraços =)

Arlete disse...

Que linda homenagem aos seus tios e avó, Juliana!!! Sensibilidade que a faz enxergar para além dos olhos físicos.
Abraços e que a Mãe-Natureza dê a todos nós esse poder de ver no outro uma parte de nós.

Arlete disse...
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Curiosa, desde pequena sempre quis saber quem sou de verdade. O fim do arco-íris no fundo de meus olhos... E encontrei! Estou em pleno processo de emancipação, aprendendo a voar ainda que em um corpo perene. Estudante da Cultura Racional e dos livros Universo em Desencanto desde 1995. DESENVOLVENDO O RACIOCÍNIO. Em ponto de ebulição e sublimação!! Sorrir gratuitamente é puro prazer... Salve :D
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