Minha desconhecida
Nós vivemos
num mundo tão pequeno para nós,
tão juntos - e ainda não nos conhecemos.
Você não sabe ainda a cor dos meus olhos,
nem a inflexão da minha voz, nem o humano calor
das minhas pobres mãos de barro,
nem o perfume azul do meu cigarro...
Eu ainda não sei a altura do seu céu,
nem o voo levíssimo do véu
dos seus sonhos e dos seus dedos,
nem o nível dos seus folguedos,
nem o fundo dos seus segredos...
No entanto, um mesmo teto abençoa e agasalha nossas vidas alheias
(como é um mesmo o que abriga o crente e a santa):
moramos paredes-meias,
como o homem triste que trabalha
e a menina boêmia que canta...
Nós somos dois anônimos vizinhos.
E, para sermos "dois" no mundo, para
sermos assim sozinhos,
entre a nossa recíproca ignorância,
entre nós dois, há apenas a distância
da parede comum que nos separa.
Ela chama-se "Vida".
Só ela nos divide - a opaca intrometida.
Contra essa intrusa, para disfarçá-la
eu, daqui do meu lado, ao longo desta sala,
estendi numa longa, longa estante
toda uma biblioteca anestesiante.
Do seu lado, ela deve estar vestida
com um xale de cachemira sobre o qual ressona o oco de uma guitarra adormecida, e fenece um retrato íntimo e antigo, a lápis, com uma florzinha pálida dos Alpes
esmigalhada no cristal...
Assim tão juntos nós vivemos
e infelizmente nem sequer nos conhecemos.
Hoje, não sei por que, tive vontade de escrever para você,
de perguntar baixinho ao seu ouvido:
- Diga! para que nós nos encontremos
será preciso, então, que algum ciclone se abata sobre nós e desmorone a parede comum que nos separa: a Vida?
Ou - o que para mim será mais morte ainda - minha linha imortal, minha alma linda, será que alguma vez nós já nos encontramos e, sem nos ver, sem nos reconhecer, passamos?...
Guilherme de Almeida